Chapada Diamantina: Igatu - A cidade perdida do garimpo

Uma cidade de ruínas e lendas da época da mineração 


Partindo cedo da cidade de Mucugê, meu objetivo era chegar na isolada cidade de Igatu. Por que isolada? Igatu não é caminho de nada. Não existe transporte para Igatu. Poucas pessoas vão para Igatu, logo, até para pegar carona é difícil. Então você vai se perguntar: o que você vai fazer em Igatu? Eu responderei: Vou atrás de uma parte da história perdida do nosso país.


COMO CHEGAR?

Conforme me informaram em Mucugê, para chegar lá eu teria que pegar carona para a direção de Andaraí e descer no entroncamento para Igatu. O melhor lugar para conseguir carona seria no final da rua da Igreja Matriz, já na estrada. Fiquei quase uma hora sem conseguir nada, até que um carro deu seta para parar. Saí correndo em direção dele e, quando percebi, ele só havia aproximado do acostamento para fazer um retorno. E eu pagando mico.



Foi então que se aproximaram dois habitantes da região, um homem e uma mulher, e puxaram assunto comigo. Me contaram que existe algumas linhas de vans informais que fazem lotação pela estrada em direção a Andaraí e que elas passavam a partir das 9h00. Eles estavam ali para pegar aquele transporte.

Ponto de carona em Mucugê


Minutos depois a tal van chegou. Como era época de Natal e as estradas estavam vazias, era difícil conseguir carona, logo embarquei junto na lotada van. Como não havia mais espaço para ninguém, fomos em pé, minha mochila no colo do cobrador, mas tudo foi bem divertido em ficar ouvindo a conversa do povo do interior que falou de diversos assuntos desde malhação em academia até a discussão se Sidney é nome de homem ou mulher (!).  A viagem na van custa R$ 8, mas como só fiquei embarcado por 15 Km até a entrada de Igatu, paguei só R$ 5.

Da beira da estrada, segui andando já preparado para percorrer os 7 Km naquele caminho isolado de terra até chegar em Igatu, mas depois de alguns quilômetros passou um carro e me ofereceu carona. Era uma família de Guarulhos-SP que estava de passagem para conhecer a cidadezinha. Economizei então a sola do meu tênis.

Não existe transporte, o jeito é percorrer 7 Km a pé ou conseguir carona


A ESQUECIDA VILA DO PASSADO

A cidade de Igatu já teve aproximadamente 15 mil habitantes no auge do ciclo do diamante, foram 3 gerações de coronéis que comandaram a região, com cabarés, cassinos, lojas, cadeia, cartório, cinema... hoje a vila tem menos de 500. Qual o mistério? Diz a lenda que foi devido a uma seca devastadora nos anos 40. Hoje em dia não há farmácias e o hospital mais próximo fica em Andaraí (12Km).  

Um jegue dando as boas vinda àquela isolada vila



A praça central da vila de Igatu


A cronologia histórica não é bem definida, mas supõe-se que Igatu ou Xique-Xique, como era conhecida, foi descoberta por volta de 1840 por garimpeiros que começaram a construir as casas de pedra que hoje estão em ruínas. Hoje em dia não há minério a ser explorado, logo os habitantes vivem de turismo, poucos turistas pelo bem da cidade que ainda é procurada por hippies e por quem busca isolamento.

Igatu é hoje um refúgio hippie


A vila já chegou a ter 50 pessoas depois do êxodo provocado pela seca


Uma parte da Chapada Diamantina que ainda não foi atacada pelo turismo de massa


A MACHU PICCHU BAIANA 


Não, a cidade não foi habitada pelos Incas. Então por que a comparação com Machu Picchu? Tudo se explica por causa de um dos grandes mistérios antigos brasileiros originado em um manuscrito datado de 1753 que se encontra arquivado na Fundação Biblioteca Nacional. Nele está escrito: "uma cordilheira de montes tão elevados, que parecião chegavão à região etherea, e que servião de throno ao vento, às mesmas estrellas (...) principiamos a subir, achando muita pedra solta e amontoada... Estas notícias mando a Vm. d'este sertão da Bahia, e dos rios Paracaçu, Unã... com tudo peço a Vm. largue essas penurias e venha utilizar-se d'estas grandezas (...)". Isso e muito mais relacionam Igatu à lenda da cidade perdida no interior da Bahia.


As ruínas estão por toda parte


Vestígios de um tempo próspero


A descrição de uma cidade perdida no interior da Bahia se assemelha ao que é visto em Igatu, porém até hoje não se sabe se realmente se refere àquela vila. De acordo com a Fundação Biblioteca Nacional: "Este manuscrito encerra um mistério: a notícia de uma cidade de aspecto clássico perdida no interior da Bahia, a qual tem sido procurada, até agora sem sucesso, por diversos exploradores. Dentre eles, destaca-se Percy Fawcett, que, tendo partido em 1920, desapareceu sem deixar nenhum vestígio". Fawcett era Comandante da Guarda Real inglesa e suas aventuras inspiraram o personagem Indiana Jones. O Documento 512 apareceu publicado, em 1839, no Jornal do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro.

Casas e ruas de pedra fazem Igatu lembrar São Thomé das Letras


Muita história ficou no passado que só as pedras testemunharam


A GRUNA DOS TEMPOS DO GARIMPO

Uma das atrações imperdíveis em Igatu é conhecer a "gruna". Gruna é uma espécie de gruta, a diferença é que foi feita pelo homem e não pela natureza. Para chegar lá, é só seguir a rua principal da cidade até fazer a curva na Rua do Bambolim (inicia na casa de pedras da foto acima). Seguindo essa rua até o final se vai chegar na casa do Sr. Humberto. Para visitar a gruna completa o valor cobrado é de R$ 10 por pessoa. Para quem tem medo de escuro ou é claustrofóbico, há a opção de conhecer só a entrada por R$ 5.

O guia Sr. Humberto que chegou a ver a vila com apenas 50 habitantes


Reprodução da "casa" dos escravos do garimpo


As grunas eram abertas com explosivos e depois as pedras removidas. Todo o amplo espaço que se caminha era, originalmente, coberto de rochas. O Sr. Humberto explicou que não se sabe ao certo quando aquela exploração começou, mas que foi, provavelmente, no século 18 ou mais antigo devido ao monte de pedra retirada.

Lago formado após a remoção das pedras na mineração 


Entrada da gruna escavada pelos garimpeiros ao longo de quase dois séculos


Os principais tipos de minério extraídos eram o diamante, o ouro e o carbonato (um dos mais duros). O guia pediu para eu tirar o tênis, me entregou uma lanterna e pediu para segui-lo para o interior da gruna, um breu total! Foi então que ele começou a acender velas para mostrar o efeito da luz causada. Logo se pode ver as dezenas de esculturas feitas recentemente representando cada personagem que se tem registro na história do garimpo de Igatu.

Estátuas representando os personagens históricos de Igatu


Estátua de Jesus Cristo simbolizando a crença dos garimpeiros


Foi então que eu contei para o Sr. Humberto que eu tinha feito a travessia desde o Vale do Capão e perdi a trilha dos gerais no terceiro dia. Ele afirmou que eu provavelmente peguei uma trilha de gado. Recomendou ainda eu fazer um dia a travessia de Guiné a Igatu, a chegada é na Rampa do Caim. Então aproveitou para dar dicas da trilha até a Rampa do Caim que eu faria em seguida.

Salão da gruna iluminado por velas


NOITE NA CIDADE ALTERNATIVA

Depois de ter conhecido Igatu pela manhã e percorrido a trilha de ida e volta para a Rampa do Caim, chegava a hora de descansar e me preparar para as aventuras do dia seguinte. Fiquei hospedado no Igatu Hostel, pagando R$ 15 pelo camping com banheiro com água quente. Ao lado, havia uma pizzaria. Depois de todos aqueles dias comendo mal, não resisti aquilo e fui pedir uma pizza. Eu achava que naquela vila distante com custo de vida baixo, a pizza não deveria ser cara. Eu me enganei, a pizza custou R$ 45 !!! Foi a coisa mais cara que eu paguei em toda a viagem (exceto passagem). 

A pizza de frango e manjericão foi cara mas estava deliciosa

A Dona Maura, dona e cozinheira da pizzaria, começou a conversar comigo e eu aproveiteI para perguntar como eu faria para chegar em Lençóis no dia seguinte. Ela falou para eu ir na casa do Sr. Amarildo, do lado da entrada do hostel que ele trabalhava na informações turísticas e saberia me ajudar. Eu achei estranho ir na casa dele a noite mas resolvi passar por lá. Era uma casa antiga de interior, com janelas grandes abertas para a calçada. Cheguei na janela e fui perguntar o que eu queria e, para meu espanto, o Sr. Amarildo me convidou para entrar e sentar, sem mesmo saber o que eu queria e quem eu era. Coisas que não se vê mais no mundo. 

Ele disse para ficar na praça principal e abordar alguém que tiver saindo de carro para Andaraí ou mesmo Lençóis. A segunda opção seria ir andando pela trilha de 5,8 Km até a estrada de asfalto, que inicia na rua da Pizzaria da Maura, e de lá pegar outra carona. É claro que eu escolheria a última opção!

Pernoite na minha suíte de luxo em Igatu


O Sr. Amarildo se despediu falando que tinha deixado a porta fechada para não entrar sapo. Então, na hora de dormir que eu entendi o motivo, a área do camping estava tomada por sapos gigantes, algo que deve ser comum por ali. Então fui dormir, ouvindo os hippies cantando e tocando na praça principal.

Ao anoitecer, sapos gigantes surgiram na escuridão


Abaixo está uma reportagem interessante do Programa Mais Você em Igatu:




MEU ROTEIRO



Roteiro completo: MISSÃO CHAPADA DIAMANTINA

Próximo: RAMPA DO CAIM


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Comentários

  1. Parabéns pelo post. Adorei. Se quiser mais informações sobre Igatu, veja meu blog.
    Abraços.

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  2. Gostei do post. Apenas para atualizar a entrada da gruna hoje custa 10 e 20 e a pizza passou para 70 reais. Não tá fácil pra ninguém meu amigo. Abraços.

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  3. Conheci Iguatu, além do atrativo da cidade há algumas pequenas quedas d'água nas proximidades q podem ser exploradas. É um passeio interessante, principalmente na gruna. Abraço a todos sem separação.

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Sobre o autor

Sobre o autor
Renan é carioca, mochileiro, historiador e arqueólogo. Gosta de viajar, fazer trilhas, academia, ler sobre a história do mundo e os mistérios da arqueologia, sempre comparando os lados opostos de cada teoria. Cada viagem que faz é fruto de muito planejamento e busca conhecer o máximo de lugares possíveis no curto período que tem disponível. Acredita que a história foi e continua sendo distorcida para beneficiar alguns grupos, e somente explorando a verdade oculta no passado é que se consegue montar o quebra-cabeça do mundo.